CAMPOS, SOMBRAS E ABRIGOS
Há muitos séculos, procuramos modos de nos relacionar com grandes escalas. Em meio a imensidão dos oceanos, a observação das estrelas permitiu um padrão de localização, reconhecendo pontos fixos para aqueles que navegam em áreas sem qualquer limite ou referência. Observar a paisagem celeste tornou-se um modo de perceber e de nos situar sobre a extensão de nosso planeta. Este desejo de se relacionar com uma dimensão transcendental da paisagem remonta a tradições pré-históricas.
Ao retirar as pedras do solo se evidencia o que há por baixo, um outro lugar, em alguns casos revelava-se o caráter esbranquiçado do solo. Pelo ato contínuo de modificar o solo é possível dar a ele formas diversas pouco compreendidas quando nelas se estão. Assim são as linhas de Nazca que conformam imensos desenhos de animais, padrões e seres sobre o território no sul do Peru. Estes “mapas”, vistos do chão, tornam-se imperceptíveis. De perto, os desenhos pouco se revelam, escondendo o caráter monumental do todo. Já de cima, são impactantes, como se fossem capazes de dialogar com algo para além do olhar humano e como se demonstrassem nossa capacidade de operar, há muito tempo, com a escala do território, reorganizando a experiência da paisagem através de seus caminhos.
Como dizia Fernando Pessoa, percebemos a existência de vales e montanhas, planícies e florestas, rios e pedras, mas não entendemos claramente que isso faz parte de um todo, afinal, só somos capazes de conhecer o mundo por suas partes. Por outro lado, a humanidade, nos últimos séculos, pareceu buscar inversamente seu contrário - a totalidade e o domínio de sua concepção, seja de natureza, seja de mundo. Não à toa, inúmeros sistemas foram criados para que pudessem dar conta daquilo que a experiência individual humana não era capaz de apreender. Por meio de abstrações, latitudes e longitudes mapearam todo o globo, assim como qualquer sistema de coordenadas é capaz de cartografar um espaço dado. A partir de uma grelha cartesiana localiza-se qualquer ponto no planeta.
FIELDS, SHADE AND SHELTERS
For centuries, we have sought ways to relate to large scales. Immersed in the immensity of the ocean, stargazers detected patterns to assist their location and defined fixed points for people who were sailing in areas with no limits or references. Observing the celestial landscape became a way of perceiving and situating ourselves in the vastness of our planet. This desire to relate to the transcendental dimension of landscapes goes back to prehistoric traditions.
When stones are removed from the ground, what is exposed underneath is a different place, in some cases the whitish nature of the soil. Continuous modification of that soil allows it to take on different forms which are not immediately comprehensible when we are right on them. This is what happens with the Nazca lines, massive drawings of animals, patterns and beings in southern Peru. Viewed on the ground, these 'maps' are imperceptible. Seen close up, their lines reveal little and hide the monumental nature of the whole. Seen from above, however, they are astonishing, as if they were communicating with something beyond the human eye; as if their lines were aimed at proving our ability to work with the territorial scale and reorganise our experience of the landscape.
As Fernando Pessoa said, we know that valleys and mountains, plains and forests, rivers and stones exist, but we do not clearly realise that they are part of a whole because we can only know the world through its parts. In recent centuries, humanity seems to have been seeking its opposite in reverse: the totality and the dominion of its conception, everything in nature and the world. It is not by chance that countless systems have been created to allow us to comprehend what individual human experience cannot grasp. Abstractions allow latitudes and longitudes to map the whole world, in the same way that any system of coordinates allows a given space to be mapped. Any point on the planet can be located using a Cartesian grid.
No Jalapão, seus generosos campos savânicos e suas veredas nos colocam frente a frente com esta questão. Diferente dos mapas cartográficos, a estratégia da grelha, neste caso, não tem como desejo a localização, mas uma espécie de ordenação capaz de estabelecer relações diversas com a paisagem bem como de organizar a distribuição dos usos e construções que pontuam o território. Permite uma aproximação mais franca com a paisagem, inserindo um sistema de referências que se espalha por seu relevo, possibilitando decupar a grande escala em pequenos fragmentos e relações.
Inserir-se nesta paisagem, compreendendo a beleza exuberante de sua conformação, tem a intenção de estabelecer algum tipo de ordenação sensível da visão e do território bem como confundir-se com o meio em que se insere. De mesmo modo, uma experiência genuína deste oásis depende do duplo movimento de orientação e desorientação, do corpo e do olhar, seja diante de situações de espaços delimitados e amparados, seja diante da experiência do abismo, de completo descortinamento de seu horizonte. Coloca-nos diante do infinitamente grande das chapadas ao infinitamente pequeno do detalhe de suas flores, embaralhando nossas concepções cartesianas, bem como nossos sentidos.
Para além da inserção física de caminhos que se espraiam por campos abertos, há algo menos corpóreo, mas não menos fundamental para a exploração estética que se pretende potencializar. Pois ao pensarmos na dimensão do corpo, que se desloca por longas distâncias, é inevitável que pensemos as condições necessárias para uma verdadeira deriva em meio ao cerrado. Intrínseco à intenção de sublinhar a paisagem está o desejo de conduzir nosso corpo para o interior dela, através de um gesto mínimo - frágil e irresoluto - de conceber sombras. Grandes veleiros de sombra são o artifício, etéreo e flutuante, que nos permite explorar a grandiosidade, mar adentro, das paisagens naturais deste locam. Para expandir a permanência neste local, abrigos são criados, em alguns momentos pequenos locais de contemplação, em outros momentos, estruturas hoteleiras capazes de acomodar um número razoável de pessoas.
The generous savannahs and trails through Jalapão confront us with this issue. In this case, unlike cartographic maps, the grid strategy is not for locating but rather for a kind of order that can create different relations with the landscape and organise the distribution of uses and constructions that stake out the territory. It permits a franker approach to the landscape and inserts a reference system which spreads across its relief, allowing the large scale to be broken down into small fragments and relations.
Inserting ourselves in this landscape and comprehending the exuberant beauty of its shape is a way of allowing a kind of sensitive organisation of our vision and the territory, blending in with the surrounding environment. Similarly, our genuine experience of this oasis depends on the dual movement of orientation and disorientation in our body and our gaze in reaction to limited, sheltered spaces but also to the experience of the abyss, the revelation of its vast horizon. It confronts us with the infinite immensity of the plateaus and the infinite smallness of the parts of its flowers, confusing our Cartesian conceptions and our senses.
In addition to the physical insertion of paths that spread across open fields, there is something less corporeal but no less essential for the aesthetic exploration that we encourage. Because when we think of the corporeal dimension, which moves across vast distances, we inevitably reflect on the necessary conditions for a veritable drift through the heart of the savannah. In the intrinsic aim to highlighting the landscape lies the desire to draw our body towards it, through a minimal gesture, fragile and unresolved; to conceive shadows. The great shading sailboats are the artifice, ethereal and floating, that allows us to explore the grandiosity, the inland sea of natural land- scapes in this place. Shelters are created to extend our sojourn here, in some cases modest lookouts, in others, accommodation for a reasonable number of people.
2020 -
São Félix do Tocantins, Tocantins, Brazil
Team
Gustavo Utrabo, Fernanda Britto, Gabriel Furuya Alberti, Julia Park
Landscape Consulting
Jardins do Serrado (Mariana Siqueira, Sérgio Borges)
2020 -
São Félix do Tocantins, Tocantins, Brasil
Equipe
Gustavo Utrabo, Fernanda Britto, Gabriel Furuya Alberti, Julia Park
Consultoria de paisagismo
Jardins do Serrado (Mariana Siqueira, Sérgio Borges)